sexta-feira, 27 de agosto de 2010

LICITAÇÃO PARA COMPRA DE CAMIONETAS SUSPENSA PELO TCE

Trago uma notícia de jornal (ao lado, edição de quarta-feira do portal Última Hora - Sistema Verde Mares) que calha com o estudo sobre licitação que estamos começando.
O assunto é importante e merece ser comentado. Entretanto, quero deixar bem claro que, tendo participado da decisão cautelar no pleno do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, onde sou o conselheiro decano, não posso antecipar meu voto quanto ao mérito da questão que ainda vai ser examinado no futuro imediato.
Primeiro, vamos aos fatos.
O Governo do Estado do Ceará adquiriu 200 camionetas da marca Toyota, modelo Hilux, para o programa "Ronda do Quarteirão" em 2007, através de licitação que foi longa e profundamente examinada pelo TCE. À época, como relator do processo que foi instaurado para examinar denúncias de possível direcionamento no edital para um fabricante, determinei que fossem ouvidos o Procurador Geral, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante PM do programa. Na verdade, eles estiveram no Tribunal, onde fizeram detalhada apresentação da proposta e ficou claramente demonstrada a possibilidade de oferta por parte de quatro montadoras. Venceu a que apresentou "a proposta mais vantajosa", tal como determina a Lei de Licitações. Na verdade, nos termos do Art. 3°, a licitação é procedimento  destinado a garantir que todos os proponentes sejam tratados igualmente, em busca de obter a proposta que melhor atenda às necessidades da Administração.
Agora, a Secretaria de Segurança Pública pretende adquirir mais 151 unidades para expandir sua frota de veículos de patrulhamento no interior. Para tanto, a Procuradoria Geral lançou edital de Pregão que está sendo questionado por outra montadora que alega que a indicação de marca vicia o certame.
Na matéria jornalística, está dito que a Nissan do Brasil representou contra o Estado, alegando ilegalidade no Edital por referir marca que atenderia ao princípio da padronização e asseverando que dispõe de modelo que pode competir.
Na sessão de terça-feira, o pleno do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) decidiu, por unanimidade, suspender a licitação para que as autoridades responsáveis prestem esclarecimento no prazo de 5 dias, como proposto pelo Conselheiro Edilberto Pontes, relator da matéria.
Agora, observemos o quê dispõe a Lei de Licitações e Contratos sobre a espécie jurídica que está sendo examinada pelo TCE. A íntegra da Lei nº 8.666/93 está disponível no topo da coluna lateral esquerda deste blog. Ou, você pode acessar o link de Legislação do Planalto: basta clicar no endereço do link que está na mesma coluna, abaixo da página que contém o texto da Lei de Licitações.
Vamos lá!
Veja o dispositivo da Lei de Licitações específico:

"Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
   I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenão, assistência técnica e garantias oferecidas;"

Parece ser exatamente o caso. O Estado já tem uma grande frota de veículos da marca Toyota. O argumento de comprar mais caminhonetes do mesmo fabricante para manter o padrão aparenta ser sólido.
O problema é que no parágrafo quinto do Artigo sétimo da mesma lei encontra-se vedação de incluir no objeto de licitação preferência por marcas.
Verifique o texto:

"§ 5o. É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas,"

Uma leitura apressada poderia levar ao entendimento de uma vedação explícita no texto legal.
Acontece que o dispositivo contém uma ressalva que deve ser levada em conta pelo bom intérprete da norma. Continua:

"salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório."

Mas, essa ressalva parece ser indicada para os caso de materiais que atendam a execução de contrato administrado pela própria Administração. Como no caso de obras, por exemplo, que é realizada pelo próprio Poder Público que contrata a mão-de-obra, compra os materiais, usa seus próprios equipamentos , máquinas e tudo o mais que for preciso.
Além disso, deve-se ainda observar dispositivo da mesma norma que veda expressamente a indicação de marca:

"§ 7o. Nas compras deverão ser observadas, ainda:
 I - A especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;"

Não vou fazer juízo antecipado ou dar qualquer lição a quem deve examinar bem a coisa, mas é bom que se diga que o TCU já se debruçou sobre matérias similares e tem decidido pela vedação de indicação de marcas no edital ou mesmo a descrição muito "completa" a ponto de direcionar a disputa para um só fabricante daquele bem, objeto da licitação. Entretanto, recomendo aqui a leitura da Decisão Plenária de número 584 de 1999. Também é de bom alvitre ler o Acórdão de número 1.010/2005, Relator Min. Valmir Campelo. Para quem quer mais profundidade no assunto.

INDICAÇÃO DE MARCA

Não seria imparcial deixar de mencionar outras decisões do TCU que tiveram por objeto o mesmo tema.
O Professor Renato Geraldo Mendes, na sua excelente obra Lei de Licitações e Contratos Anotada, 7ª Edição, na nota de 302, transcreve:

"quando o objeto incluir bens e/ou serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, faça constar dos processos a competente justificativa técnica, consoante o disposto no § 5º, do art. 7º, da Lei nº 8.666/93"
(TCU, Decisão nº 130/2002, Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer).

Bem, devo dizer que a decisão do egrégio Tribunal de Contas da União flexibiliza disposição expressa de norma, desde que a citação de marca esteja amparada por exposição técnica abalizada.
Cada caso deve ser examinado com cuidado. A subjetividade pode danificar a vontade do legislador e do constituinte e fazer brechas indesejadas que podem levar ao arrombamento legal. Por outro lado, pode-se argumentar que deve-se observar o preceito constitucional de que o administrador é obrigado a buscar sempre o melhor para atender ao interesse público. Vamos aguardar.

Voltarei ao assunto, quando houver novidades.
Até breve, meus amiggos e coleggas!

6 comentários:

  1. Valeu, Ilton!
    É isso mesmo. O blog foi pensado pra vocês enxergarem os fatos sob a ótica administrativista.
    Continue conosco.
    Grato pela visita.

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  2. Dr. Alexandre adoramos seu blog, temas bem atualizados, análise dos fatos clara e objetiva, retratando a sua forma de se expressar, tão conhecida por nós e admirada.

    ANIZIA E EVILÂNIA

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  3. Anizia e Evilânia,
    Fiquei deveras sensibilizado com o comentário.
    Será que mereço tanto.
    Muito obrigado, garotas!

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  4. Caro professor, achei muito interessante o seu blog, pois, como frisou o colega, ele nos confere a perspectiva de quem lida diretamente com questões administrativas, como é o seu caso no referido post.
    Isso nos aproxima muito do entendimento de como funciona a administração pública, pelo menos na minha opinião de estudante de direito administrativo.
    Está de parabéns o seu blog!

    Larissa Lins

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  5. Olá! Sou uma leitora assídua do blog e gostaria de elogiar o conteúdo do mesmo, que não somente traz uma análise clara e detalhada do direito administrativo, mas também faz um paralelo interessante e didático com os fatos cotidianos. É uma forma leve de informar-se e de aprender cada vez mais. Parabéns pela iniciativa!

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  6. Olá Professor!
    Materia muito bacana, que nos ajuda a visualizar no dia-a-dia as materias estudadas em sala.
    Otima iniciativa.
    Priscila Caramelo

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