quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CONTINUIDADE E INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

ARTIGO EXTRAÍDO DA REVISTA  Jus Vigilantibus

O princípio da continuidade e a interrupção dos serviços em caso de inadimplência – Usuários Particulares e Usuários Públicos

Aldo Silva Neto


O presente artigo pretende traçar um paralelo entre a possibilidade de interrupção de serviços públicos (aqui trataremos especificamente da energia elétrica), em caso de inadimplência, de usuários particulares e de usuários públicos.

A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 6º, §3º, III, prevê a possibilidade de interrupção, não se caracterizando como descontinuidade, devido à inadimplência do usuário, considerando o interesse da coletividade, desde que haja prévio aviso.

Muito já se discutiu acerca de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica – como forma de constranger o usuário ao pagamento, ultrapassa os limites da legalidade e afronta o respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, essenciais para a sua vida.

Ademais, a empresa fornecedora do serviço tem a sua disposição os mecanismos legais, as vias judiciais, para ressarcir-se dos valores não pagos, levando-se em conta o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Maria Sylvia Zanello Di Pietro, in Direito Administrativo, 17ª edição, ed. Atlas, 2004, entende que "o usuário tem direito à prestação do serviço; se este lhe for indevidamente negado, pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação pelo concessionário; é comum ocorrerem casos de interrupção na prestação de serviços como os de luz, água e gás, quando o usuário interrompe o pagamento; mesmo nessas circunstâncias, existe jurisprudência no sentido de que o serviço, sendo essencial, não pode ser suspenso, cabendo ao concessionário cobrar do usuário as prestações devidas, usando das ações judiciais cabíveis."

No ensinamento de Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 32ª edição, ed. Malheiros, 2006, “Serviços uti singuli ou individuais: são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. (...) O não pagamento desses serviços por parte do usuário tem suscitado hesitações da jurisprudência sobre a legitimidade da suspensão de seu fornecimento. Há que se distinguir entre o serviço obrigatório e o facultativo. Naquele, a suspensão do fornecimento é ilegal, pois se a Administração o considera essencial, impondo-o coercitivamente ao usuário (como é a ligação domiciliar à rede de esgoto e da água e a limpeza urbana), não pode suprimi-lo por falta de pagamento; neste, é legítima, porque, sendo livre sua fruição, entende-se não essencial, e, portanto, suprimível quando o usuário deixar de remunerá-lo, sendo, entretanto, indispensável aviso prévio.

Já, no entendimento da Profª Fernanda Marinela, em entrevista nos dias 26, 27, 28/fevereiro e 01/março, ao jornal eletrônico LFG News, da Rede de Ensino Luiz Flavio Gomes, acerca da possibilidade de interrupção do serviço público, salienta que “não é razoável garantir serviço público a usuário que não paga prejudicando toda a coletividade. Teríamos aqui uma violação ao princípio da isonomia, pois não é justo que o que paga, e o que não paga, tenham tratamento igualitário”.

Assim é o entendimento majoritário da jurisprudência, voltando-se para a aplicação da Lei 8.987/95, que possibilita a interrupção do fornecimento, por inadimplência, considerado o interesse da coletividade, após prévio aviso.

E quando o usuário for a Administração Pública?

Tem a Administração Pública, certas prerrogativas delineadas pelo Princípio da Supremacia do poder público sobre o particular. Chamadas de cláusulas exorbitantes, não se apresentam no direito comum. Verdadeiros privilégios, como exemplo, dentre outros, temos, a alteração unilateral do contrato, a imposição de sanções, a rescisão por ilegalidade.

A exceção do contrato não cumprido, prevista no art. 476, do Código Civil, que define que, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”, não pode ser invocada pela prestadora particular de serviço público ao Estado, caracterizando-se como outra cláusula exorbitante. Este o assento da doutrina tradicional.

No campo do Direito Público, onde imperam os princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e o da continuidade, a suspensão da prestação do serviço público à Administração Pública inadimplente é de difícil aceitação, vez que a Administração tem o dever de prestar serviços aos usuários.

Porém, há decisões nas cortes superiores que permitem sim a interrupção, desde que não atinjam os ditos serviços essenciais, como hospitais, iluminação pública, universidades, dentre outros.

Julgando Recurso Especial 791713/RN; em 06/12/2005, a Segunda Turma do STJ, tendo como relator o Min. Castro Meira, assim decidiu: “(...) 2. O artigo 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), dispõe que: ‘os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos’. 3. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser amenizado, ante a exegese do art. 6º, § 3º, II da Lei nº 8.987/95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. 4. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, prevalece nesta Turma a tese de que o corte de energia é possível, desde que não aconteça de forma indiscriminada, preservando-se as unidades públicas essenciais. (...).”

A Lei Federal nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), dispõe em seu artigo 17 “A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual”. Ou seja, muito embora haja necessidade de comunicação prévia, permissível é a suspensão do fornecimento a consumidor que presta serviço público.

O processo de distribuição de energia elétrica à população, é apodítico, possui um custo elevado e necessita do pagamento proporcional ao consumo para manter a qualidade e a eficiência na prestação do serviço. Admitindo-se a impossibilidade de interrupção aos usuários inadimplentes, tal situação poderia gerar colapso no fornecimento ou, no mínimo, a perda da qualidade, trazendo prejuízo para toda a população.

Diz a Profª Marinela em sua entrevista: “quando a Administração Pública é inadimplente, ela não deixa de ser uma usuária. Também está sujeita à regra do artigo 6º, parágrafo 3º (da Lei 8.987/95), que diz que em caso de inadimplemento pode cortar. Portanto, é possível cortar o serviço, mesmo que a usuária seja a própria Administração”.

A inadimplência por parte de órgãos da Administração Pública pode ser avaliada, ao menos, como má administração dos recursos, que são públicos. E, se o não cumprimento do contrato pelo particular, que, em geral, gasta valores relativamente baixos – se comparados com os valores gastos pela Administração – é motivo para a interrupção dos serviços, perfeitamente entendível a possibilidade de interrupção dos serviços em setores da administração, pelo mesmo motivo, desde que estes não sejam considerados essenciais.

Muito embora o interesse público esteja acima do particular, não pode a Administração prevalecer-se dessa condição para deixar de honrar seus compromissos, em especial com empresas prestadoras de serviços essenciais a toda a coletividade, quebrando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e desestabilizando a prestação desses serviços.

Logo, a falta de pagamento por parte de órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, acaba sendo mais prejudicial, na medida em que diminui, e muito, os recursos captados pelas empresas fornecedoras do serviço, contribuindo assim, para um possível risco de toda a coletividade ter o serviço interrompido ou de recebê-lo com qualidade inferior à esperada.

Assim, mantido o Princípio da Continuidade, que deve ser entendido como a continuidade a que está obrigado o órgão público, e encarado sob o ângulo daqueles serviços definidos como essenciais, nos demais casos, havendo inadimplência por parte da Administração Pública, direta ou indireta, deve sim ser interrompido o fornecimento de energia elétrica.

Referências
ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo – 7ª. ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2005.
BANDEIRA de Mello, Celso Antônio. Curso de direito administrativo – 14ª. ed. – São Paulo: Malheiros, 2002
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanello. Direito administrativo – 17ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro – 32ª. ed. – São Paulo: Malheiros, 2006.
MARINELA de Sousa Santos, Fernanda. Direito administrativo – 2ª. ed. – Salvador: JusPODIVM, 2006.
MARINELA, Fernanda. Entrevista ao LFG News.

Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070228081431131

Nenhum comentário:

Postar um comentário