terça-feira, 17 de maio de 2011

OPINIÃO

"CARONA" nas licitações - afronta ao Princípio da Igualdade



Gleydson Alexandre
Procurador-Geral
Ministério Público Especial de Contas
TCE-CE


​Com o argumento de que as licitações públicas mostram-se burocráticas e ineficientes, os gestores públicos passaram a adotar o instituto do “carona” nas aquisições públicas. Referido procedimento, criado pelo Decreto Federal n.º 3.931/01, autoriza que o administrador público adquira bens e serviços através de adesão a certames licitatórios realizados por outros órgãos ou até mesmo em outros Estados.

​De modo exemplificativo, um órgão que deseja adquirir qualquer bem para a Administração pode procurar na internet alguma licitação referente ao objeto que necessita comprar e aderir à respectiva licitação. Ou pior, o vencedor da licitação percorre os corredores dos órgãos públicos buscando compradores para seus produtos.

​Explicado o instituto de modo resumido, posiciona-se pela inviabilidade jurídica de se utilizar o “carona” pela Administração Pública, pelas seguintes razões: a figura do “carona” violaria inicialmente o princípio da legalidade por ter sido introduzida por meio de decreto, na exorbitância do poder regulamentar (art. 84, IV, CF/88), criando um instituto antes inexistente no ordenamento jurídico. Haveria também agressão aos princípio da isonomia e da impessoalidade, fundamentos da licitação, haja vista que a contratação ocorreria sem a devida igualdade entre os interessados e a Administração poderia escolher com quem contratar.

​Ademais, a possibilidade de um órgão que, mesmo não tendo feito uma licitação, beneficiar-se de certame realizado por outra entidade pública, por meio da adesão, estimula a realização de condutas ofensivas ao princípio da moralidade, pois considerando a realidade brasileira, a empresa vencedora de licitação exercerá todo tipo de lobby junto aos órgãos públicos, para que adiram à operação, possibilitando a contratação sem licitação, o que representa um grave desrespeito ao princípio da moralidade.

​Além disso, o órgão público aderente realiza a contratação direta, a despeito de haver plena possibilidade de competição no mercado. Assim, a figura do “carona” produz o efeito de afastar o dever constitucional de licitar (art. 37, XXI, CF/88), embora não se trate de caso de dispensa nem de inexigibilidade de licitação.

​Frisa-se que o art. 37, XXI da CF/88 é claro ao enunciar que “ressalvados os casos especificados na legislação”, que são justamente as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade, há a obrigatoriedade de se licitar, sendo assim o instituto do “carona” verdadeira mácula ao princípio constitucional da licitação.

​À guisa de conclusão, apesar de o “carona” trazer benefícios de ordem material para a gestão pública (diminuição de custos com tempo/despesas com procedimentos licitatórios), não se pode olvidar que tal inovação vilipendia vários princípios constitucionais (licitação, legalidade, isonomia, moralidade, impessoalidade), não podendo por isso ser admitida a sua utilização.

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