segunda-feira, 29 de agosto de 2011

MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA

ÂMBITO JURÍDICO
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MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA
Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

2. Conceito de moralidade administrativa e moralidade social
Antes de se adentrar no mérito desse estudo e para se entender devidamente o tema, mister se faz a necessária compreensão do que seria a moralidade administrativa e a moralidade social.  A primeira é o pressuposto basilar de qualquer Administração Pública, encontrando-se esculpida nos moldes do artigo 37, caput, do nosso Estatuto Maior Positivo. Trata-se da moralidade investida ao exercício das ações executadas pelos agentes públicos, oriunda do instituto que as disciplina, sendo ela, portanto, uma moral jurídica, formadora da ética institucional. Essa ética, cujo conteúdo se desenvolveu pela reflexão daquela moral, visa a criação de mecanismos e controles no intuito de frear as arbitrariedades tão comuns nos negócios ditos públicos.
Aliás, e com muita propriedade, o Professor Bittar[2] disserta a idéia posta em dialética:
Quando se menciona a necessidade de cultivo de um longo processo de formação de uma cultura da moralidade institucional, quer-se dizer que se torna indispensável arquitetar o equilíbrio entre a subjetividade e a objetividade.
Sob os mesmos alicerces, Hauriou pontifica o que seria esta moralidade[3]: “Conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Porém, não se pode interpretar essa conduta como um meio mecânico de se desenvolver o ato administrativo, uma vez que, sendo o administrador a pessoa humana que o é, deve, por meio de sua formação moral e ética, distinguir se determinada ação acarretará prejuízos ao único fim da qual está ele incumbido, ou seja, o bem comum. Nesse naipe de idéias, expõe o Des. Volnei Ivo Carlin[4]: “Ocupa-se não na moralidade comum, mas na moral jurídica, imposta ao agente público para seu comportamento interno, segundo as exigências da instituição que o servem e à finalidade de sua ação: o bem comum.”
E, ainda, menciona Denis Coitinho Silveira[5]:
Às vezes é difícil decidir o que devemos escolher e a que custo, e o que devemos suportar em troca de certo resultado, e ainda é mais difícil firmar-nos na escolha, pois em muitos dilemas deste gênero o mal esperado é penoso, e o que somos forçados a fazer é ignóbil, por isto o louvor cabe a quem é compelido e a censura quem não é.
A segunda moralidade, a social, seria aquele conjunto de regras instituídas por meio de acordos e valores envolvidos, de modo a direcionar as ações humanas e delimitá-las para, assim, assegurar o convívio pacífico entre os homens.
O direito, nesse diapasão, surge como uma garantia positiva para fazer valer tais preceitos. Frise-se, outrossim, que essa positivação não pode retirar do seio social aquilo que lhe confere a sua razão de ser, ou seja, os valores, a moral e os costumes que a compõem. Se não houver essa simbiose para a contínua mantença dos pilares que sustentam esse meio, a legislação perde o seu sentido, já que se tornaria um ser essencialmente tirânico na medida em que exercesse apenas o seu arbítrio, ratificando o modelo criado por Kelsen na qual o Estado seria um corpo mecânico e não dinâmico.
Veja-se, pois, a lição de Bittar[6] acerca do tema:
[...] só se pode afirmar que o direito se alimenta da moral, e convive com a moral continuamente enviando-lhe novos conceitos e normas, e recebendo novos conceitos e normas. A moral é, e deve sempre ser, o fim do direito. Com isso pode-se chegar à conclusão de que direito sem moral, ou direito contrário às aspirações morais de uma comunidade, é puro arbítrio, e não direito.
Denis Coutinho, para finalizar, traz o seguinte entendimento aristotélico que afirma com clareza, o pensamento supra[7]: “(...) a justiça é a base da sociedade; sua aplicação assegura a ordem na comunidade social, por ser o meio de determinar o que é justo.”
3. Conceito de improbidade
Ora, se o agente administrativo não conduzir sua ação para o bem comum ele, fatalmente, descumprirá a conduta para o qual a sua ação deve estar voltada, cometendo, assim, a improbidade administrativa, regulada pela Lei n.º 8.429/92.
Primeiramente, Wellington Pacheco Barros[8] leciona que:
A palavra improbidade vem do radical latino probus, que significa crescer reto, e na tradição da língua portuguesa significa ter caráter, ser honesto, ser honrado. Por via de conseqüência, não ter probidade ou ser ímprobo significa não ter caráter, ser desonesto ou desonrado.
Já Aristides Junqueira Vieira conceitua improbidade administrativa[9]:
como espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida, para si ou para outrem, ou causa dano ao erário.
Essas características acima elencadas encontram-se nos arts. 9o ao 11 da referida lei com a finalidade de fazer valer o interesse coletivo e sobrepujá-lo ao individual (Princípio da Supremacia do interesse público) .
Na verdade, para se caracterizar a improbidade, deve-se provar a vontade do agente em querer dilapidar o patrimônio público, pois, o que conta no final, não são os meios, mas a conduta de desonestidade manifestada pelas características acima elencadas. Por isso, se o ato de improbidade administrativa estiver caracterizado e dele constatar-se que o agente não teve a intenção de fazê-lo, este não comete improbidade e, sim, uma imoralidade administrativa.
Alexandre de Moraes[10] elucida:
O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da presente lei. 
Aristides Junqueira Vieira arremata[11]:
(...) a conduta de um agente público pode ir contra o princípio da moralidade, no estrito sentido jurídico-administrativo, sem, contudo, ter a pecha da improbidade, dada a ausência de comportamento desonesto - atributo, esse, que distingue  a espécie (improbidade) do gênero (imoralidade).
O nosso egrégio Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão acerca do tema[12][13]:
Constada a conduta lesiva do Prefeito em levar, às expensas do erário, esposa e filhos a Congresso de Municípios: abuso configurado. Desvio de finalidades pública. Ofensa à moralidade administrativa quando, ao contrário, a gestão do patrimônio da coletividade, se com base nos princípios da legalidade e probidade. Ação procedente. Embargos rejeitados.
Ação civil pública. Improbidade administrativa. Legitimidade. Ministério Público. Defesa do patrimônio público. Interesse coletivo.É o entendimento dominante que a ação civil pública é a via constitucional adequada para se apurar eventual lesão ao erário público, bem como pleitear o ressarcimento dos danos causados, tendo o Ministério Público legitimidade total para propô-la. Leis com procedimentos diversos. Compatibilidade de pedidos. Rito ordinário. Atos de improbidadeadministrativa podem ser investigados por meio de ação civil pública, ainda que suas leis instituidoras tenham previstos ritos processuais diversos, desde que, para isso, seja imprimido ao feito o rito mais complexo (ordinário).
Denota-se, desse modo, a real necessidade de se defender e preservar esses institutos morais e éticos, já que a Administração Pública nada mais é do que o reflexo de sua sociedade, que anseia, hodiernamente, pela transparência de seus atos.
3.1. Imoralidade x improbidade administrativa
Para elucidar melhor certos pontos dissertados no item anterior, explicar-se-á melhor a diferença entre imoralidade e improbidade. José Afonso da Silva assevera que[14]: “todo o ato lesivo ao patrimônio agride a moralidade administrativa.”
Ao fazer tal colocação, o autor acima faz menção à improbidade sem, contudo, explicar que nem todos os atos de ímprobos são realizados pela vontade do agente, não enfatizando, dessa forma, a caracterização de vontade do ato representado pelo dolo ou culpa, consoante faculta o art. 10 da Lei n.º 8.429/92.
A matéria necessita de um melhor aprofundamento. Segundo o referido artigo, a improbidade administrativa possui duas modalidades de conduta: a dolosa e a culposa. Na categoria dolo, tem-se que o agente visualiza o dano e o faz para aquele fim específico, ou seja, ela é uma característica intrínseca do conceito de improbidade administrativa, em toda a extensão da palavra, bem como é a própria caracterização da vontade em querer dilapidar o erário, sendo, no sentido popular, ligado à pessoa desonesta e ao conceito de desonestidade.
Aristides Junqueira Vieira, coloca com prioridade[15]: “(...) Torna-se difícil, senão impossível, excluir o dolo do conceito de desonestidade e, consequentemente, do conceito de improbidade (...)”.
Alexandre de Moraes[16] complementa que “para a ocorrência de um ato de improbidade descrito neste artigo, há a necessidade da existência da vontade livre e consciente do agente em realizar qualquer das condutas nele descritas.” 
Contudo, se o dolo é uma característica intrínseca da improbidade e do conceito de desonestidade, fácil é concluir que a modalidade culpa -  onde o agente não quer o resultado, mas o fim acaba acontecendo por qualquer outro motivo – não enseja a improbidade, tornando ela, deste modo, uma característica inegável da imoralidadedo ato.
Hans Kelsen nos ensina a seguinte lição[17]:
(...) a conduta social de um indivíduo é injusta quando contraria uma norma que prescreve uma determinada conduta . a justiça de um indivíduo é a justiça da sua conduta social ; e a justiça da sua conduta social consiste em ela corresponder a uma norma que constitui o valor justiça e, neste sentido, ser justa.
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