I - INTRODUÇÃO
Acho que para se falar e se debater sobre Sistemas de Governo, envolvendo Presidencialismo, Parlamentarismo e Semipresidencialismo, é preciso antes se falar sobre o Poder do Estado e sobre Formas de Governo.
O grande publicista francês Georges Burdeau dizia: "O fenômeno principal na organização da Sociedade não é o Estado, é o Poder". Com isso, ele queria dizer, enfaticamente, que se se entender o Poder como "força a serviço de uma idéia" poder-se-á compreender o próprio Estado.
É sabido que o poder reside no povo que constitui o Estado. Mas é sabido também que esse povo, legítimo titular do Poder, não poderá exercê-lo diretamente, numa utópica e impossível Democracia Direta. É necessário, pois, que o povo, formado pelo conjunto dos cidadãos, se organize e delegue o poder a seus representantes legítimos. A primeira delegação se faz para uma Assembléia Constituinte, colegiado de representantes dotados de poder constituinte originário, força capaz de elaborar e promulgar a primeira constituição de um novo Estado ou uma nova constituição para um Estado já historicamente existente. É nesse momento que se vai escolher a Forma de Governo e, dentro dela, o Sistema de Governo, isto é, é nessa "hora dramática" que se vai regulamentar o exercício do poder.
II - FORMAS DE GOVERNO
Desde a mais remota antigüidade e até hoje, se tenta estudar, compreender e explicar a estrutura política das sociedades transformadas em Estados. São inúmeros os tratadistas que abordaram o assunto. Neste resumo, vou tratar de dois deles, dos maiores: Aristóteles e Maquiavel.
Aristóteles, 250 anos antes de Cristo, idificava as Formas de Governo em três, que chamava de "normais": a Monarquia, a Aristocracia e a Democracia, que diferenciavam entre si pelo número de agentes do Poder, mas que se assemelhavam num ponto: o poder era exercido, nas três, em benefício da coletividade. O próprio filósofo grego afirmava que essas três modalidades de governo poderiam se corromper quando o poder fosse exercido em benefício próprio dos agentes do Poder, transformando-se, respectivamente em Tirania, Oligarquia e Demagogia, formas anormais.
Já Maquiavel, em 1519, nos seus Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, falava num curioso ciclo de governo que se iniciava pela anarquia (ausência de governo), atingia a monarquia, que, por sua vez, se corrompia em tirania; a solução seguinte seria a aristocracia, que, fatalmente, se estragaria na oligarquia, levando o povo a optar pela democracia; esta, mal desenvolvida, se transformaria em demagogia, caindo-se, novamente, na anarquia inicial.
O próprio florentino, autor de O Príncipe, classificou verdadeiramente as formas de governo de sua época em duas: a Monarquia, governo em que poucos participam do Poder, caracterizando-se pela hereditariedade, vitaliciedade e irresponsabilidade funcional dos governantes; e a República, governo em que muitos (não todos, como numa imaginária democracia direta) participam do exercício do poder, caracterizando-se pela eletividade, temporariedade e responsabilidade funcional dos governantes.
III - AS ATUAIS FORMAS DE GOVERNO
Tomando-se por base os estudos dos dois grandes pensadores mencionados e fazendo-se uma comparação das constituições atuais, vemos que duas são as principais formas de Governo do mundo contemporâneo: a Monarquia e a República, ambas convivendo, mais ou menos, com a Democracia, conforme se distribua o exercício do poder em suas estruturas.
Com o ápice da Revolução Anglo-Franco-Americana, no fim do século XVIII, os reinados do mundo europeu, para sua própria sobrevivência e pela vontade de seus povos, passaram a mesclar a hereditariedade e a vitaliciedade de seus monarcas com a eletividade (voto) e a temporariedade (mandato) de seus parlamentos, surgindo as chamadas "monarquias limitadas", de que são exemplos importantes a Grã-Bretanha, a Espanha, a Bélgica e a Suécia.
Por outro lado, as repúblicas "suavizaram" aquelas características rígidas apontadas por Maquiavel, reservando a eletividade e a temporariedade somente, como afirma Geraldo Ataliba, para "os exercentes de funções políticas" (chefes de executivo e legisladores), consolidando-se as "repúblicas democráticas indiretas ou representativas".
IV - OS ÓRGÃOS DO PODER
Segundo o eminente Professor português Jorge Miranda, "a centralização do Poder no Estado atrofia a sociedade". E é verdade: desde o princípio desta exposição, procura-se demonstrar que o problema mais complexo do Estado de Direito, monárquico ou republicano, está na delegação e na distribuição do poder.
Por isso é que, a partir do início do século XIX, os Estados democráticos do mundo, monárquicos e republicanos, passaram a adotar a vitoriosa doutrina de Montesquieu, cujo núcleo é o seguinte: "Para que o poder limite o poder, é preciso que haja a separação de órgãos, a especialização de funções e a cooperação entre esses órgãos".
A primeira constituição orgânica do mundo a adotar, na prática de seu texto, tal doutrina foi justamente a que comemora este ano duzentos e dez anos de vigência, a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte. Ali, no sintetismo de seus sete artigos, aprimorada pelo "sistema de freios e contrapesos", está a distribuição do Poder do Estado por três órgãos distintos, interdependentes e harmônicos: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
V - AS ESTRUTURAS DO EXECUTIVO
E como o Executivo, por sua tarefa administrativa e manipuladora de orçamentos e riquezas, acaba sendo, dos três órgãos, aquele mais dotado de poder político, surgiu a preocupação de estruturá-lo devidamente. Três são as principais estruturas de Executivo encontradas no Direito Constitucional Comparado contemporâneo: a monocrática, a dualista e a colegiada.
Na estrutura monocrática, encontra-se uma só figura na titularidade do Poder Executivo, exercendo, ao mesmo tempo, as funções de chefe de Estado e de chefe de Governo. É o que se vê nas monarquias constitucionais, como a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca e a Noruega, e nas repúblicas presidencialistas, como o Brasil, os Estados Unidos e a Argentina, onde essa figura única é, respectivamente, o monarca e o presidente.
Na estrutura dualista, estão duas figuras partilhando a função executiva. É o que acontece nas monarquias constitucionais parlamentares, como a Grã-Bretanha, a Espanha e o Japão, nas repúblicas parlamentaristas, como a Itália e a Alemanha Ocidental, e nas repúblicas semipresidencialistas, como Portugal e França. Nesse tipo de estrutura é que vamos ter o monarca ou o presidente como chefes de Estado e o primeiro-ministro, escolhido pelo Parlamento, como chefe de Governo.
Por fim, na estrutura colegiada, de que é exemplo marcante e praticamente único a Suíça, vamos encontrar, no Executivo, uma "diretoria", sem a existência de um chefe de Governo.
De acordo, pois, com a estrutura do Executivo, é que vamos idificar os Sistemas de Governo.
VI - OS SISTEMAS REPUBLICANOS DE GOVERNO
Deixando, agora, de lado as Monarquias, por mais importantes que elas sejam no cenário político e constitucional do mundo, vamos cuidar dos sistemas de governo adotados pelas Repúblicas. Este é o momento para se tentar conceituar devidamente o Presidencialismo, o Parlamentarismo e o Semipresidencialismo, termos e idéias que, sem embargo ou por causa da crise política que vivemos, estão na "boca do povo" (e, muitas vezes, entendidos erroneamente).
a) O Presidencialismo
O Presidencialismo, sistema de governo que adotamos desde o advento da nossa República em 1889, nasceu na Constituição Americana, em 1787. Segundo o saudoso constitucionalista português Marcelo Caetano,
"os autores da Constituição Norte-Americana tinham verificado, na experiência da Confederação (1776 a 1787), ser indispensável um Poder Executivo eficiente, isto é, individualizado numa pessoa responsável com autoridade para tomar iniciativas e pô-las em prática. Por outro lado, tinham visto que, em muitos Estados, o predomínio das Câmaras Legislativas havia produzido um excesso de verbalismo paralisador da administração pública e destruidor da disciplina social".
Daí, terem criado no grande documento, hoje bicentenário, um sistema de governo que se caracteriza pela separação de funções (legislativa, executiva e judiciária); por um executivo unipessoal (monocrático); pela independência rigorosa entre o Executivo e o Legislativo, com uma interdependência por coordenação, caracterizada pelo sistema de freios e contrapesos, exemplificado pela elaboração legislativa (pelo Congresso), o veto (pelo presidente) e o controle de constitucionalidade (pela Suprema Corte); e pela eleição direta ou indireta do presidente. E, sendo indireta (como nos EUA e na Argentina), nunca pelo Parlamento e, sim, por um colégio eleitoral formado por cidadãos distintos dos parlamentares.
No Presidencialismo, vamos encontrar, portanto, dois importantes órgãos políticos: o presidente e o Congresso.
b) O Parlamentarismo
Podemos dizer que o Parlamentarismo nasceu na evolução histórica da Grã-Bretanha. Para facilitar a sua administração, os monarcas britânicos, a partir do século XVIII, passaram a escolher os seus ministros na corrente partidária majoritária nas duas Houses of Parliament. Surgia, assim, um parlamentarismo informal, como viria a acontecer no Brasil, durante o reinado de D. Pedro II.
Depois disso, várias repúblicas européias passaram a adotar, em seus textos constitucionais, o Parlamentarismo, sistema de governo que, na República, caracteriza-se também pela separação "montesquiana" de funções, mas com um Executivo dualista (presidente e primeiro-ministro, um na chefia do Estado e o outro à frente do governo); pela interdependência aberta e flagrante (e não independência) entre o Executivo e o Legislativo, já que é do Parlamento que sai o primeiro ministro; pela importância política do órgão legislativo que, além de legislar, é capaz de formar e de derrubar o Governo, com suas moções de confiança ou de censura; pela eleição indireta do presidente pelos parlamentares. No parlamentarismo republicano, temos dois importantes órgãos políticos: o primeiro-ministro e o Parlamento.
c) O Semipresidencialismo
Dos três, este é o sistema de governo republicano mais novo. Devido a insucessos do parlamentarismo puro na Itália e na própria França, a Constituição Francesa da 5ª República (1958) criou uma nova estrutura de governo, que foi chamada de parlamentarismo imperfeito ou parlamentarismo misto. A Constituição Portuguesa de 1976 adotou sistema semelhante ao francês, com a denominação mais adequada de semipresidencialismo. Tal sistema se caracteriza também pela separação de funções entre os três ramos do Poder; por um Executivo dualista (presidente e primeiro-ministro); pela independência entre o presidente (chefe de Estado) e o Legislativo; pela interdependência entre o primeiro-ministro e o Legislativo (este, como Parlamento, aprova moções de confiança ou de censura ao Ministério); pela eleição direta do Presidente da República, ao qual a Constituição reserva atribuições menores do que aos presidentes das repúblicas presidencialistas, mas muito maiores do que aos das repúblicas parlamentaristas. No semipresidencialismo, temos, pois, três importantes órgãos políticos: o primeiro-ministro, o parlamento e o presidente que, contando com o respaldo popular, exercerá um salutar poder moderador e não só a chefia representativa do Estado.
VII - CONCLUSÃO
Acho que o presidencialismo brasileiro tem sido responsável por diversas crises em nosso País. Por outro lado, entendo que, com esses partidos políticos plúrimos e mal definidos que temos desde o advento da República, seria temerário passar-se para um parlamentarismo puro no Brasil, já que tal sistema, para garantir a estabilidade de um governo, deve repousar em partidos fortes, definidos e poucos. Assim, se queremos abandonar o presidencialismo (que até nos Estados Unidos vem sendo questionado), talvez devamos adotar o semipresidencialismo, à maneira portuguesa, com o Poder Executivo bem distribuído entre a figura do "presidente chefe de Estado" (eleito diretamente pelo povo e, de preferência, em dois turnos, para garantir a maioria absoluta de sua escolha) e o "primeiro ministro chefe de Governo" (responsável perante o Parlamento). Mas uma coisa é certa: de nada adiantará mudar-se o sistema de governo se não nos impregnarmos de seriedade no trato das coisas públicas.
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